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Por que o veganismo?



O assunto sempre surge. Numa mesa de bar, ao servir o almoço, ao agradecer e negar um prato... em algum momento, você sabe que alguém vai perguntar: “mas vegana mesmo? Por quê?”.


As vezes a pergunta é de curiosidade mesmo. As vezes vem acompanhada de comentários chatos como “nem peixe?” ou “planta também sente”. No fim das contas, acabo respondendo a mesma coisa. Me tornei vegana porque era o que se alinhava com a minha filosofia, com a minha ética, com a minha forma de ser e estar no mundo.


Eu sempre tive um afeto muito grande pelos animais, desde pequena. Sempre gostei de (e já tive) gato, cachorro, galinha, coelho, jabuti, hamster. Sempre odiei ver passarinhos presos em gaiolas e cachorros amarrados em portões. Nunca gostei muito de comer carne e minha vó precisava me enrolar quando eu era pequena para comer.


Uma vez, quando eu tinha uns 10 anos, fomos passar uns dias na fazenda de meu padrinho e vimos o nascimento de uma potra. Nunca tinha visto um bicho grande parir antes disso.


Acho que foi o primeiro dia que eu percebi que eram esses bichos que eu via soltos e fazia carinho – as galinhas, as vacas, as ovelhas, os bodes – que iam parar na mesa do almoço. Naquele dia, eu não comi nenhum bicho.


Só que eu era pequena e não entendia direito o que eu estava sentindo, pensando. Voltei a comer bichos, mas com uma pulga atrás da orelha. Quando eu tinha uns 14 para 15 anos, decidi tentar o vegetarianismo. Eu era jovem, imatura, não tinha autonomia sobre minha alimentação. Não vingou. Algum tempo depois, assisti aquele vídeo A Carne É Fraca. Eu lembro que estava comendo um queijo quente na hora. Nunca mais consegui olhar para carne, leite e derivados do mesmo jeito.


Hoje fazem 8 anos que não como carne vermelha e branca. Pouco mais de 5 que não como frutos do mar. Oficialmente 3 anos que me tornei vegana. E por quê?


Pelos animais


Quando me tornei vegetariana, foi porque decidi que não compactuaria com uma indústria que emprisiona, tortura e mata animais sob o pretexto de que eles existem para nos servir. Quando me tornei vegana, foi porque decidi que o consumo de derivados de qualquer tipo de exploração animal não estava alinhado com o meu propósito de vida.


Continuar consumindo animais ou derivados de sua exploração, é a mesma coisa que admitir que a existência de todas essas espécies é para servir o ser humano. Que existência utilitarista é essa? Que superioridade humana é essa? Os animais carnívoros comem outros bichos porque precisam, mas eles caçam esses bichos e os matam com suas próprias garras e dentes.


E nós? Criamos esses animais em espaços mínimos e sujos, enchemos eles de hormônios, estupramos suas fêmeas para que elas engravidem, para que tiremos seus filhotes e para que continuem gerando uma secreção leitosa que nunca foi destinada a nós...


Por quê? Por que matamos vacas, bois, porcos, galinhas, peixes... e por que achamos um absurdo quando matam gatos, cachorros e golfinhos? Por que choramos quando o rinoceronte branco do Norte é extinto mas ignoramos a quantidade absurda de animais inocentes que morrem todos os dias? Por que testamos remédios e cosméticos em animais, quando existem outras alternativas proporcionadas pelos avanços tecnológicos?


Para o meu coração continuar batendo, o de nenhum outro bicho precisa parar. Para eu continuar sentindo prazer na minha alimentação, eu não posso compactuar com aquilo em que não acredito.


Pelo meio ambiente


Que a agropecuária tem impactos negativos no meio ambiente e promove a destruição de ecossistemas naturais, todo mundo sabe. Acontece que a bancada ruralista e as grandes empresas que lucram da agropecuária e da indústria carnista querem fazer você acreditar que a destruição do planeta pode ser evitada se você usar transportes públicos e fechar a torneira enquanto escova os dentes. Claro que essas são iniciativas importantes de autoconsciência, mas ninguém fala da quantidade de água gasta na produção de carne, leite e derivados, ou da quantidade de metano emitida pelo gado.


Vamos ver alguns dados:


  • Cada cabeça de gado necessita de um hectare de terra (10.000 m2) para engordar;

  • O Brasil possui o maior rebanho comercial do mundo (200 milhões de cabeças);

  • Esse rebanho necessita de uma área de pastagem de, no mínimo, 200 milhões de hectares para ser sustentado (isso é 1/4 do território da nacional);

  • Mais de 80% do milho e soja produzidos nos EUA são destinados para a alimentação de gado;

  • Criar animais para consumo produz 65% do óxido nitroso do mundo e é responsável por 51% da mudança climática;

  • 30% do consumo da água do mundo é devido a produção de carne, leite e derivados;

  • Essa produção ocupa 45% das terras do planeta e é responsável por 91% das zonas mortas no oceano e destruição de habitats naturais.

“Calcula-se que a cada segundo, uma área de floresta tropical equivalente ao tamanho de um campo de futebol é destruída no mundo para produzir 257 hamburguers.” – Sérgio Greif


O que eram essas áreas de pastagem ou as áreas de plantação de grãos destinados aos rebanhos antes delas servirem esse fim? Eram áreas naturais que foram destruídas. Pântanos, cerrados, florestas tropicais, mangues. Ecossistemas ricos em fauna e flora, santuários de nossos povos indígenas, hoje utilizados para instalar um sistema exploratório, latinfundiário, ainda em grande parte formado por regimes escravocratas.


Em 2017, Marco Springmann, pesquisador do programa Future of Food, da Universidade de Oxford, fez uma simulação do que aconteceria se todos os seres humanos se tornassem veganos até 2050: a emissão de poluentes ligados à produção de alimentos cairia 70%.


Enfim, os dados são muitos e as informações estão disponíveis para quem quiser procurar. Posso até compilar todos os dados com fontes em outra postagem, mas a moral da história é: o meio ambiente sofre com a indústria de agropecuária. E consequentemente, nós também. Qual o futuro que queremos? O que deixaremos para as próximas gerações?


Pela saúde


Estamos assistindo a um momento muito potente na história do vegetarianismo e do veganismo, que é o surgimento de cada vez mais profissionais da saúde que adotam e defendem essa dieta. Inclusive, vários estudos comprovam que o consumo de carne, leite e derivados está associado a riscos elevados de câncer, doenças cardíacas e outros problemas de saúde.


Mesmo em 2010, a ONU lançou um relatório indicando que a dieta vegetariana estrita seria extremamente positiva não somente para o meio ambiente, como também para a saúde da população mundial como um todo.


O próprio Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em 2014 pelo Ministério da Saúde, já reconhecia que o consumo de produtos de origem animal pode ser forte colaborador para a obesidade, doenças do coração e outras doenças crônicas.


Até mesmo a OMS (Organização Mundial da Saúde) reconheceu, em 2015, o consumo de carne, principalmente as processadas, como fator de risco para doenças cardiovasculares e cancerígenas.


Além de todos esses dados, posso falar pessoalmente: eu como uma variedade muito maior (e muito mais nutritiva) de alimentos agora que sou vegana. Conheço alimentos como chicória e levedura nutricional, sei exatamente os ingredientes que estão na minha comida, tenho um prato muito mais colorido, uma alimentação muito mais equilibrada, uma digestão muito mais tranquila, uma disposição muito maior e muito prazer ao preparar e comer meus alimentos. E as proteínas vão muito bem, obrigada.


Pela política


De onde vem os seus alimentos? O que você financia quando consome o que consome? Quem você financia? O que você consome tem a ver com o que você defende? Por que você consome o que você consome? Por que você quer ou por que você acha que precisa daquilo?


Adotar uma dieta vegetariana estrita é uma questão ética. É defender os direitos dos animais, mas também os nossos. Sabia que, segundo um estudo de 2004 da ONG Repórter Brasil, 80% do trabalho escravo no território nacional está relacionado à produção de carne, leite e derivados? Segundo o próprio Senado Federal, 76% dos trabalhadores escravos libertados de 2006-2009 eram das atividades econômicas de desmatamento, pecuária e outras lavouras.


Vandana Shiva escreve muito sobre ecofeminismo e sobre como mulheres, animais e grupos marginalizados pela sociedade colonial-patriarcal-hegemônica são sempre percebidos como Outros e, portanto, inferiores ao "padrão" (o homem branco, cis, hétero). A pesquisadora Carol J. Adams também tem um trabalho muito incrível em cima da política sexual da carne, que vincula o machismo e a sociedade patriarcal à forma como os animais, especialmente os animais do sexo feminino, são tratados. Vou me aprofundar nessas questões em outro texto, senão já viu, né?


No fim das contas, o que eu quero dizer é: o pessoal é político e a revolução também começa pelos nossos pratos.

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